A análise da conjuntura da semana é uma (re)leitura
das Notícias do Dia publicadas diariamente no sítio do
IHU. A análise é elaborada, em fina sintonia com o Instituto Humanitas
Unisinos – IHU, pelos colegas do Centro de Pesquisa e Apoio aos
Trabalhadores – CEPAT, com sede em Curitiba-PR, parceiro
estratégico do Instituto Humanitas Unisinos – IHU e por
Cesar Sanson, professor na Universidade Federal do Rio Grande
do Norte - UFRN, parceiro do IHU na elaboração
das Notícias do Dia.
Sumário
A esfera religiosa invade a esfera
política
O mix político-religioso
Declínio da
influência católica
Emergência da religião também nos EUA
Relativizando o
peso eleitoral da religião
Governo cede a teses conservadoras
Conjuntura da Semana em
frases
Eis a análise.
A esfera religiosa invade a
esfera política
Pode parecer estranho, mas os diversos episódios
recentes – e menos recentes – da conjuntura política envolvendo a religião
apontam para a importância que esta assume no cenário político nacional. Vivemos
em uma sociedade cada vez mais laica, secular, e que, sob certo ponto de vista,
tem ojeriza a tudo o que remete a crença, ao transcendente.
A autonomia
do Estado em relação à religião é uma conquista da modernidade, da democracia.
Ao mesmo tempo, assiste-se a uma crescente ingerência do religioso, de valores
religiosos, catapultados por Igrejas e políticos confessionais, no mundo da
política. Uma linguagem com fundo religioso sobe ao palco de um Estado que se
quer laico. Mais, tudo indica que o Governo
Dilma,
especificamente, esteja sendo refém de teses conservadoras capitaneadas por
setores das Igrejas pentecostais, neopentecostais e católica.
Há uma
sensação de que o Governo esteja dando demasiada atenção a essas questões,
concedendo a elas uma importância maior do que deveriam merecer. Uma hipótese
que se pode aventar, diz respeito à
chamada
governabilidade.
Menos de dois anos após a “guerra
santa” travada nas eleições presidenciais de 2010, a religião invade novamente
com força a esfera política. A senha dessa nova intromissão da religião no mundo
da política foi dada pela
nomeação do senador Marcello
Crivella (PRB-RJ) para o ministério da Pesca.
O
senador
Marcelo Crivella
é bispo licenciado da
Igreja Universal do Reino de Deus,
sobrinho do bispo
Edir Macedo, fundador da Igreja Universal e
do missionário
R. R. Soares, fundador da
Igreja
Internacional da Graça de Deus. Em seus dois mandatos no Senado,
trabalhou por projetos ligados a valores da família e na campanha eleitoral de
2010, foi um dos articuladores do movimento que forçou
Dilma Rousseff
a se posicionar oficialmente contra temas polêmicos para os religiosos,
como o aborto.
Em seu
discurso de posse,
Crivella fez referência ao bispo
Edir Macedo,
invocou proteção divina e reivindicou um milagre bíblico, como o da
multiplicação dos peixes, para garantir comida na mesa de todos os brasileiros.
“Muitas vezes, Deus não escolhe os mais qualificados, mas sempre qualifica os
escolhidos”, disse em seu discurso.
O senador é do minúsculo
PRB, partido que já teve seus momentos de glória com o
vice-presidente
José Alencar, mas que atualmente não tem mais
do que 10 deputados no Congresso. Na mesma semana em que partidos com mais peso
político brigaram por mais espaço no governo – o
PMDB ameaçando uma
rebelião, o
PDT travando um cabo de guerra
com o governo para reassumir o ministério do Trabalho e o
PR
com uma bancada de 40 deputados brigando para ter de volta o ministério
dos Transportes – o insignificante
PRB ganha um
ministério.
O mix político-religioso
Como
explicar que um partido pequeno que não precisa ser agraciado com um ministério
para as amarras da coalizão governamental seja tratado com tanta deferência?
Ainda mais, como justificar a indicação para um ministério para o qual o próprio
indicado admite que não entende nada da área? E isso num contexto em que a
presidente Dilma insiste numa gestão técnica?
Quando soube da indicação,
Crivella afirmou: "Vou lhes
dizer, com humildade. Eu nem sei colocar uma minhoca no anzol. Na verdade, estou
indo para aprender. Mas com espírito público". O deputado
Chico
Alencar (PSOL-RJ) ao tomar conhecimento da fala do novo ministro,
postou em seu
twitter: “Crivella, na Pesca: 'ñ sei colocar minhoca em anzol'. Mas quem o
indicou sabe o q quer pescar nas águas turvas da política.” Por sua vez, o
senador
Cristovam Buarque (PDT-DF)
comentou: "O
governo resolveu pôr na Pesca um pescador de almas, que ainda vai andar sobre as
águas".
As ironias de
Chico Alencar e
Cristovam
Buarque revelam as verdadeiras intenções do governo com a nomeação de
Crivella.
A indicação de
Crivella para
o ministério tem como pano de fundo a disputa que envolve o
PT
e o
PSDB em São Paulo. A entrada de
José Serra
(PSDB) reequilibrou a disputa em São Paulo e colocou frente ao
PT o seu mais feroz oponente.
Serra tem
travado duras disputas com o
PT e na última eleição
presidencial contra
Dilma Rousseff, adotou a estratégia da
desconstrução de sua adversária reavivando o tema do aborto.
O governo e
a cúpula do
PT acreditam que novamente temas como legalização
do aborto, casamento gay e kit anti-homofobia serão levados à campanha da
sucessão de
Gilberto Kassab (PSD). O candidato
Fernando
Haddad estava à frente do ministério da Educação quando se deu a
polêmica do kit anti-homofobia.
O kit anti-homofobia, na oportunidade,
foi elaborado por entidades de defesa dos direitos humanos e por grupos
LGBT – lésbicas, gays, bissexuais e travestis –, a partir do
diagnóstico de que faltava material adequado e preparo dos professores para
tratar do tema nas escolas públicas.
O material – formado por vídeos,
guia de orientação para o professor e cartilhas –, que recebeu o aval
Unesco e do Conselho Federal de Psicologia, foi suspenso às
vésperas de ser distribuído pelo ministério da Educação. A decisão partiu do
governo
após forte pressão
das bancadas católicas e evangélicas. À época até “
marchas para
Jesus” foram organizadas pelas igrejas evangélicas
neopentecostais contra o kit anti-homofobia.
A presidenta acuada pela ira
de grupos religiosos
recuou. As
entidades que defendem os direitos dos homossexuais, por sua vez,
reagiram com
"perplexidade", "consternação" e "indignação" à decisão do governo de suspender
a distribuição do material nas escolas. Em nota, a
Associação Brasileira
de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais –
ABGLT
afirmou que “a decisão macula a imagem internacional do país sobre
direitos humanos e fere o Estado laico”. O texto também critica a ascendência da
bancada religiosa sobre o governo. "Um princípio básico do Estado republicano
está sendo ameaçado pela chantagem praticada hoje contra o governo federal pela
bancada religiosa fundamentalista e seus apoiadores no Congresso
Nacional".
O recuo do governo na época surpreendeu, sobretudo porque se
deu dias após a decisão do Supremo Tribunal Federal –
STF reconhecer por
unanimidade que uniões homoafetivas passam a ser tratadas
como um tipo de família.
O fato é que desde então o ministro
Fernando Haddad ficou marcado por determinados grupos
religiosos como defensor do homossexualismo.
Fernando Haddad criticou o uso da
crença religiosa dos eleitores para se beneficiar politicamente. Sobre o kit
anti-homofobia disse que “é muito barulho por nada", porém, tratou de destacar
que, pessoalmente, é contra o aborto.
A expectativa, portanto, é que a
nomeação de
Crivella sirva como uma
vacina para blindar
o candidato do
PT Fernando Haddad, na
esperada "guerra santa" da campanha eleitoral.
Gilberto
Carvalho, ministro da Secretaria-Geral da Presidência,
reconheceu que a
escolha do senador
Marcelo Crivella (PRB-RJ) para assumir o
Ministério da Pesca teve o objetivo de ampliar o diálogo com o setor
evangélico.
Na esteira do debate moral, a nomeação de
Crivella
serve também como um contrapeso à
nomeação de Eleonora
Menicucci para a Secretaria de Política para as Mulheres,
que causou ira no mundo religioso. A nova ministra sempre foi militante das
causas feministas, entre elas, o aborto. Em sua posse,
Eleonora
Menicucci afirmou: “Não se pode aceitar que, ainda hoje, quando temos
uma mulher no mais alto cargo do Executivo brasileiro, mulheres sejam vistas
como meros objetos sexuais, que morram durante a gravidez, que tenham direitos
reprodutivos e sexuais desrespeitados”.
A nomeação da ministra despertou
furor no mundo religioso. As reações virulentas partiram desde setores da
bancada evangélica que
acusaram a ministra de
abortista e até da
CNBB, que de forma mais
discreta
mandou um recado para a presidente
Dilma. O presidente da entidade,
dom Raymundo
Damasceno Assis, afirmou que o veto ao aborto “é uma questão
inegociável”.
O desconforto político instalou-se no Palácio do Planalto
e o ministro
Gilberto Carvalho,
levou até o Congresso um recado da presidente
Dilma ao dizer
que a presidenta não tem absolutamente nenhuma intenção de tomar qualquer
iniciativa para alterar a legislação sobre o aborto.
A própria presidente
Dilma Rousseff,
ainda escaldada pelo fantasma da eleição presidencial de 2010, aproveitou a
cerimônia de posse da nova ministra para enquadrá-la publicamente e deixar claro
que as convicções pessoais devem se subordinar, agora, às políticas de governo.
"Tenho certeza que meu governo ganha hoje uma lutadora incansável e
inquebrantável pelos direitos das mulheres. Uma feminista que respeitará seus
ideais, mas que vai atuar segundo as diretrizes do governo em todos os temas
sobre os quais terá atribuição", discursou Dilma. Ou seja, diante da
pressão da bancada
evangélica no Congresso e da
CNBB, a
Dilma puxou o freio de mão da sua subordinada.
Para além
das razões religiosas, há ainda outra razão que está por detrás da nomeação de
Crivella, essa de ordem pragmática eleitoral. O novo ministro é
do mesmo partido de
Celso Russomanno, o pré-candidato do
PRB à prefeitura de São Paulo e bem posicionado nas pesquisas
de intenção de voto. A nomeação de
Crivella não é o suficiente
para tirar do páreo o ex-deputado
Russomanno, mas pode garantir
para
Haddad o apoio do partido num eventual segundo turno
contra Serra. "Fica mais difícil fazer oposição ao governo federal [na campanha]
agora que estamos no governo", disse
Marcos Pereira,
presidente do
PRB e patrono da candidatura de
Celso
Russomanno à Prefeitura de São Paulo.
A nomeação de
Crivella “rifou” ainda o deputado
Luiz Sérgio
(PT-RJ) que ocupava o ministério da Pesca e causou indignação
no
PT-RJ que ficou sabendo da notícia pela internet: "Me
surpreendeu isso, não esperava. Viram a notícia na internet, na sede do partido
e me avisaram, podiam ter informado antes pelo menos”, disse
Jorge Florêncio,
presidente do PT-RJ.
Na estratégia montada por
Lula –
responsável pela indicação de
Haddad e agora pela nomeação de
Crivella – a senadora
Marta Suplicy que sempre
postulou a indicação do partido à disputa para a prefeitura de São Paulo também
foi isolada.
Marta ficou a ver navios e agora ironiza a
situação como destaca o jornalista
Ricardo Kotscho:
“Quem está assistindo ao teatro político paulistano de camarote é a senadora
Marta Suplicy, que queria voltar a disputar a prefeitura,
perdeu o lugar para
Fernando Haddad, indicado por
Lula
e
Dilma, e foi a primeira a se manifestar contra um
acordo com Kassab, que a derrotou nas últimas eleições”.
A indicação de
Haddad, a
aproximação com
Kassab e, agora, a nomeação de
Crivella
revelam que cada vez mais quem decide as coisas no
PT
é
Lula. Nas prévias, proposta inovadora surgida no PT,
o debate e a democracia interna perderam força no partido. “O PT tem, hoje, uma
só ideologia, uma só direção e uma só concepção política: é o que Lula mandar. O
ex-presidente é o senhor do voto, da força de arrecadação, da linguagem e do
discurso das campanhas e das vitórias. Portanto, ele manda e o PT obedece”,
afirma a jornalista
Rosângela
Bittar.
Acerca da figura de Lula e sua proeminência
cada vez maior no
PT recomenda-se a
entrevista do
psicanalista
Tales Ab’Sáber a partir do lançamento do seu
livro
Lulismo, Carisma Pop e Cultura Anticrítica [editora
Hedra, 2012].
Declínio da influência católica
A
indicação do
senador evangélico
Marcelo Crivella (PRB) para o Ministério da
Pesca e Aquicultura confirma, entre outras coisas, o enfraquecimento da
influência dos setores progressistas da
Igreja Católica no
governo.
A análise é do jornalista
Roldão Arruda.
Segundo ele, “uma das intenções do presidente
Luiz Lula Inácio da Silva
(PT), ao criar a pasta, em 2003, era acolher na sua equipe o pensamento
das pastorais sociais da Igreja, que sempre estiveram na base do seu partido.
Uma dessas pastorais, a dos pescadores, foi um dos fatores que inspiraram a
criação do ministério. A pastoral existe desde 1970, tendo se fortalecido em
Pernambuco, Paraíba, São Paulo e Santa Catarina. Seus agentes defendem os
direitos sociais de pequenos pescadores e estimulam a criação de novos meios de
geração de renda entre eles”.
Na análise de
Roldão,
“foram esses princípios que o primeiro titular da pasta, o catarinense
José Fritsch, defendeu em sua gestão, entre 2003 e 2006.
Petista histórico, ele iniciou a carreira política numa dessas pastorais
sociais, a
Comissão Pastoral da Terra, e manteve-se fiel a elas
durante todo o tempo de governo. Na opinião de bispos ligados à área social, foi
o melhor ministro até agora”.
José Fritsch filho de
pequenos agricultores, e mudou-se para Chapecó aos doze anos, onde estudou no
Seminário Diocesano na época em que era bispo
dom José Gomes,
um bispo fortemente ligado às questões sociais, sendo o primeiro presidente
nacional do Conselho Indigenista Missionário (
Cimi) e também
presidente da Comissão Pastoral da Terra (
CPT) por muito
tempo.
O segundo titular do ministério da Pesca,
Altemir
Gregolin, também era petista e catarinense. Embora não tão próximo da
Igreja, manteve os rumos do antecessor. O quadro passou a mudar com a posse de
Dilma Rousseff que ofereceu o ministério como prêmio de consolação a
Ideli Salvatti, após a senadora ter sido derrotada nas eleições
para o governo de Santa Catarina.
Ideli permaneceu no cargo
cinco meses e foi substituída por
Luiz Sérgio que agora cede o
lugar para o evangélico da Universal do Reino de Deus,
Marcelo
Crivella.
Outro fator que confirma o declínio dos católicos
progressistas, é a decisão de
Dilma de afastar
Gilberto
Carvalho da interlocução com os evangélicos.
Gilberto
Carvalho, ex-seminarista e um dos fundadores da
Pastoral
Operária e ligado à Igreja católica, teve que correr ao Congresso para
se explicar sobre
declarações dadas
no
Fórum Social em Porto Alegre, no final de janeiro. Em
palestra, disse que o Estado deve fazer uma disputa ideológica pela "nova classe
média", que estaria sob hegemonia de setores conservadores. "Lembro aqui, sem
nenhum preconceito, o papel da hegemonia das igrejas evangélicas, das seitas
pentecostais, que são a grande presença para esse público que está emergindo",
disse
Carvalho.
A declaração despertou a fúria e
inflamou os ânimos da bancada evangélica que pediu a cabeça do ministro. A
polêmica custou uma retratação com pedido de desculpas do ministro pela imprensa
e em visita ao Congresso. Após este episódio,
Gilberto Carvalho
foi
afastado da
interlocução com os evangélicos. Em seu lugar a presidente
Dilma escalou a chefe da Casa Civil,
Gleisi
Hoffmann. Essa atitude confirma o
declínio dos católicos
progressistas no governo Dilma.
Emergência da
religião também nos EUA
Retornando ao debate anterior, outra
ilustração da importância da religião na política está na
composição do PSD no Rio de
Janeiro. Dos 13 deputados estaduais que o partido tem neste
Estado, cinco são evangélicos (
Samuel Malafaia, ex-PR, irmão do
pastor
Silas Malafaia, da Assembleia de Deus Vitória em Cristo;
Fábio Silva, também ex-PR, filho do empresário
Francisco Silva, da Congregação Cristã do Brasil, dono da
Melodia, uma das maiores rádios gospel do País;
Marcos Soares,
ex-PDT, filho do pastor
R. R. Soares, missionário da Igreja
Internacional da Graça;
Graça Pereira, da Igreja Presbiteriana)
e uma é missionária católica, a atriz
Myriam Rios, ex-PDT.
Dessa maneira, o partido começa a consolidar um perfil conservador com forte
vínculo religioso.
Vale recordar ainda a forte polêmica que esteve
presente na campanha eleitoral de 2010, capitaneada por setores religiosos
(católicos e evangélicos) em torno principalmente da temática do aborto. Este
tema foi assunto de análise na época. Como afirma o sociólogo da religião
Antônio Flávio Pierucci, em artigo publicado na revista
Novos Estudos: “Não lembro, e certamente ninguém há de lembrar,
de uma campanha eleitoral em que a intromissão da religião tenha sido tão grande
e ido tão longe como na eleição presidencial de 2010 para a sucessão de Lula”.
[1]
No entanto, engana-se quem pensa que a emergência da religião no
palco político seja uma peculiaridade apenas brasileira. Os Estados Unidos
defrontam-se há tempos com a mesma realidade. A campanha eleitoral de 2006, que
elegeu
Barack Obama primeiro presidente negro deste país,
esteve marcada por referências e polêmicas de cunho religioso.
O
presidente
Obama optou por
recuar, por
exemplo, no seu projeto de obrigar planos de saúde a fornecerem
anticoncepcionais, inclusive aqueles mantidos por
entidades ligadas à Igreja
Católica.
A importância da religião na política tem
novo capítulo nas prévias eleitorais norte-americanas. Os principais candidatos
empunham ou estão em busca do eleitorado conservador, mais facilmente cativado
com temas morais.
Romney é mórmon e
Santorum é
católico, “que reúne o voto evangelical melhor do que os próprios evangélicos”,
na análise do historiador da religião norte-americano
Massimo Faggioli.
Vale lembrar que, desde a eleição de
John F. Kennedy, único
presidente católico dos Estados Unidos, já se passaram mais de 50
anos.
Relativizando o peso eleitoral da
religião
Como se viu acima, a importância da religião no cenário
político brasileiro não é nada desprezível; ao contrário, chega mesmo a ser
significativa e relevante, pois pauta a tomada de decisões do Executivo
brasileiro. Entretanto, é preciso perguntar: qual é realmente o peso do discurso
e da influência da religião nas eleições?
A entrevista especial para
a
IHU On-Line do
Oneide Bobsin,
professor de Ciências da Religião e reitor das Faculdades
EST,
e um artigo do sociólogo e professor da
USP, Antônio Flávio
Pierucci, podem lançar luzes sobre esta questão.
Com o aumento
de políticos ligados a crenças religiosas, em sua maioria pastores de igrejas
evangélicas, há um visível interesse de aproximação de líderes de diversos
partidos que buscam apoio eleitoral. Entretanto, como observa
Oneide
Bobsin, percebe-se “uma crescente autonomia dos fiéis em relação às
suas liderança religiosas e pastorais. Vamos usar uma metáfora. Cada vez mais as
ovelhas não escutam a voz dos seus pastores quando se trata das questões
públicas. O processo democrático, embora ainda limitado, oportuniza o
discernimento. Os sucessivos governos, processos eleitorais e o envolvimento de
parlamentares evangélicos com a corrupção permitem aos fiéis desconfiarem de
certas propostas. E quando se tem como referência um governo com políticas
públicas que possibilitam um mínimo de distribuição de renda, a eficácia da
escolha passa do suposto líder carismático para a política em grande
parte”.
E prossegue em seu argumento: “Se, nos temas ético-morais, as
sintonias entre igrejas são maiores, quando se trata dos programas sociais do
governo liderado pelo
PT, então não vemos a mesma reação.
Suspeito que entre as camadas pobres os programas sociais do governo federal têm
um peso muito maior do que esses temas ou outros ligados à corrupção. Como disse
um pentecostal que ocupou uma fazenda: a minha igreja me proíbe, mas a
necessidade é maior do que a proibição.
Gramsci, líder
comunista italiano, já havia descoberto que as camadas empobrecidas são mais
pragmáticas quando se trata da sobrevivência no âmbito da relação entre religião
e política. Suspeito que o avanço da democracia permitiu aos
evangélico-pentecostais e neopentecostais a participação na vida política”. E
arremata: “Nem sempre o rebanho ouve a voz de seu pastor. Como disse um
candidato, é preciso buscar voto fora dos irmãos. A ideia de que irmão vota em
irmão perdeu força”. Ou seja, os eleitores (evangélicos) votam tendo em conta
outros elementos da realidade e não apenas a crença religiosa ou o que disse o
pastor.
Pierucci, por sua vez, analisando
especificamente as eleições presidenciais de 2010, surpreende-se com o que chama
de “crença abalada”, isto é, com o fato de que o voto religioso em nosso país
não tem toda a importância que lhe atribuíram comentaristas políticos e
cientistas sociais. Ou seja,
Pierucci levanta a tese contrária
àquela mais difundida, segundo a qual “no Brasil vigora o voto religioso”.
[2]
Para fundamentar sua tese,
Pierucci recorre ao
chamado “efeito perverso”, ou no jargão weberiano da “consequência imprevista ou
indesejada”, mais especificamente de um “‘efeito bumerangue’, que acontece
quando a consequência adversa advém sem mais demora”. [3] Desta maneira o autor
se refere à virada que a imagem de “bom católico” de José Serra sofreu no curto
período de tempo que separa o primeiro do segundo turno das eleições de 2010.
Como diz o autor, “o apelo religioso no segundo turno passaria de trunfo a
estorvo”. [4]
Recorrendo a estudos correlatos feitos nos Estados Unidos,
Pierucci recorre ao “efeito fariseu” para explicar a derrota de
Serra naquelas eleições. O “efeito fariseu” “é quando a ventilação eleitoral de
temas, critérios e apelos religiosos obtém do eleitor conservador resposta
contrária à esperada”. [5]
Isso acontece quando o eleitor (conservador)
tem a percepção “de excessos no emprego tácito da religiosidade pessoal de Serra
que estancou suas chances de subir nas últimas pesquisas e o fez estacionar numa
posição de desvantagem em relação à concorrente sem religião nem humanidade”.
[6] Ocorre por que há, de um lado, uma simulação de si como alguém “mais santo”
que o outro e, de outro, de demonizar o outro como alguém que por não ser
temente a Deus não pode exigir respeito como ser humano. É o famoso tiro pela
culatra.
O que
Pierucci defende com o “efeito fariseu” é
o fato de que o eleitor conservador, assim como “qualquer outro eleitor, ele
também entra no jogo trazendo consigo a capacidade demasiado humana de se
esquivar e surpreender. Imprevistamente ele vai mostrar que pode ser mais
religioso, ou mais autenticamente religioso, do que julga o candidato fariseu e
do que nem sequer imaginam seus desavisados coordenadores de campanha. Quando o
eleitor conservador (...) percebe que sua fé está sendo exageradamente cortejada
para satisfazer a interesses meramente eleitorais (...) o que ele passa a sentir
pelo candidato que assim procede só pode ser rejeição. Num gesto que tem muito
de desagravo e desforra, ele pega e vota contra”.
[7]
Pierucci, assim como
Bobsin
anteriormente citado, admite que os eleitores religiosos não votaram
apenas em função de um único aspecto e, além do mais, idealista. Diz ele: “E
eram interesses materiais, não ideais, os que igualmente empurravam os fiéis
praticantes a votarem pela continuidade das políticas lulistas, uma vez que
também eles se sabiam atendidos por várias ações de governos nos oito anos de
Lula presidente”. [8] Ou seja, o eleitor vota também olhando
para os benefícios materiais de que foi beneficiado.
E conclui seu artigo
escrevendo: “Refiro-me à constatação do pouco (muito pouco!) que o voto dos
adeptos das diferentes igrejas cristãs foi afetado pelo muito (muito mesmo!) de
orientações, doutrinações e apelações emitidas pelas autoridades católicas e
evangélicas contrárias à candidatura ungida por
Lula e
consistentemente apoiada sobre a extensa aprovação popular de seu governo”. [9]
Não deixa de ser uma chamada de atenção para as próximas
eleições!
Governo cede a teses
conservadoras
Tendo presente as reflexões de
Pierucci
e de
Bobsin, não estaria o governo dando demasiada
atenção ao tema do religioso e suas intromissões no mundo da política e, dessa
maneira, amarrando-se gradativamente a esses setores da sociedade e deles
tornando-se refém?
A nomeação de
Crivella é mais um
episódio, no meio de tantos outros, que acentua os recuos do governo diante das
forças conservadoras. Assim foi com o
Código Florestal,
com o
PNDH3, com o
kit
anti-homofobia, com a polêmica da nomeação da ministra
Eleonora Menicucci. Aguarda-se agora, depois de muitos recuos,
a postura do governo em relação à nomeação de nomes para a
Comissão da
Verdade.
Sobre isso,
comenta
Luís Fernando Verissimo: "A julgar pela
rapidez com que, aos primeiros protestos de evangélicos e bispos católicos, o
Gilberto Carvalho correu para lhes dizer que a posição do
governo em relação ao aborto continuaria retrógrada como a deles, pode-se
duvidar da disposição do governo para enfrentar a reação que virá, como na
Espanha do
Garzón, ao exame do nosso passado e à
responsabilização dos seus desmandos. Vamos torcer para que, neste caso, a
espinha do governo seja mais firme", diz o escritor.
_____________________
Notas:
[1] PIERUCCI, Antônio Flávio. Eleição 2010:
desmoralização eleitoral do moralismo religioso. Novos
Estudos n. 89, mar. 2011, p. 5-15.
[2] Idem, p. 7.
[3] Idem, p.
8.
[4] Idem, p. 9.
[5] Idem, p. 9.
[6] Idem, p. 11.
[7] Idem, p.
13.
[8] Idem, p. 14.
[9] Idem, p. 14.
Conjuntura da Semana em frases
Amebas e
minhocas
“No governo, (Eleonora) Menicucci (ministra das
Mulheres) rendeu-se ao discurso anódino do Planalto. Aborto? Fica para o
Congresso decidir. E não se fala mais nisso. Já Crivella, criacionista e
descrente da teoria da evolução, pode derrubar quantas vezes quiser o muro que
deveria separar igreja e Estado. Como senador, em 2009 compartilhou uma dúvida
com seus colegas -"O surgimento da vida a partir de uma ameba traz o primeiro
questionamento: e a ameba, surgiu de onde?" –
Fernando
Rodrigues, jornalista –
Folha de S. Paulo,
03-03-2012.
Almas 1
“O Ministério da Pesca é uma
abstração e foi criado exatamente para isso: acomodar interesses e aliados
políticos, além de justificar uma penca de emendas parlamentares. Poderia ser o
ministério do frango, da soja, do gado de corte, do gado leiteiro, quem sabe das
almas?” –
Eliane Cantanhêde,
jornalista –
Folha de S. Paulo,
01-03-2012.
Almas 2
"O governo resolveu pôr na
Pesca um pescador de almas, que ainda vai andar sobre as águas" -
Cristovam Buarque,
senador - PDT-DF -
O Estado de S. Paulo,
01-03-2012.
Excêntrico
“Crivella é do PRB e
bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus. Igreja e partido entram
no governo com a missão de vocalizar os anseios de políticos evangélicos. Em
meio a metáforas e a discursos sobre minhocas e amebas, Dilma Rousseff
oficializa, assim, mais um oximoro da administração petista, o excêntrico Estado
laico-cristão” –
Fernando
Rodrigues, jornalista –
Folha de S. Paulo,
03-03-2012.
100%
“O próprio PRB entrou com aquela
questão do famoso kit gay. Sempre criticamos e entendemos que ele tinha culpa
nisso. Como é que o PRB vai estar com uma pessoa que está criticando? Tem que
ter coerência (...) (Fernando Haddad) tem 100% de responsabilidade” -
Gilmaci Santos,
deputado estadual, secretário-geral do PRB-SP e um dos coordenadores da
pré-campanha de Celso Russomanno à Prefeitura de São Paulo –
O Estado de
S. Paulo, 01-03-2012.
Retiro
“Com a
nomeação de Marcelo Crivella, ainda que para o lateral Ministério da Pesca,
Gilberto Carvalho (Secretaria Geral) deixa de ser o interlocutor do Planalto com
os evangélicos -condição que perdeu ao fazer críticas ao segmento durante o
Fórum Social Mundial” –
Vera Magalhães,
jornalista –
Folha de S. Paulo,
01-03-2012.
Todos ouvidos
"Tomei até um susto.
Mas o governo percebeu que a bancada evangélica faz diferença. E está dando mais
atenção aos assuntos religiosos” –
Marco Feliciano
(PSC-SP) em campanha contra a pena de morte do pastor
Youssef Nadarkhani, do Irã, condenado por renunciar ao islamismo e aderir ao
cristianismo ao comentar que seria recebido pela ministra da Casa Civil Gleisi
Hoffmann e que foi procurado pelo ministro Gilberto Carvalho –
Folha de
S.Paulo, 28-02-2012.
Marcelo Rossi e o
aborto
"Existem princípios que regem a igreja e, se forem
violados, há mobilização. Se um candidato for a favor do aborto, não só eu, mas
também setores evangélicos, vão se mobilizar contra" –
Marcelo Rossi,
padre e cantor –
Folha de S. Paulo,
27-02-2012.
Dilma no altar
"Você viu o caso do
Valdemiro [Santiago, da Igreja Mundial], que parou a Via Dutra [na inauguração
de um megatemplo]? Quero tudo certinho, com alvará. Não estou acima da lei" –
Marcelo Rossi,
padre e cantor, dizendo que Dilma Rousseff deve ir à inauguração do Santuário
Mãe de Deus, para 100 mil pessoas, onde passará a celebrar suas missas –
Folha de S. Paulo, 27-02-2012.
Serra e
Dilma
"Eu acho que o Serra não vai mais ser candidato a
presidente da República (...). Para a [presidente] Dilma, a melhor coisa que
poderia acontecer é o Serra prefeito de São Paulo. Porque se tiver Dilma e Aécio
[Neves, do PSDB], Serra é Dilma [na disputa presidencial de 2014]" –
Gilberto Kassab,
prefeito de São Paulo – PSD – segundo relato de Rui Falcão, presidente nacional
do PT –
Folha de S. Paulo,
02-03-2012.
Entenda...
“Nossa relação com o
governo é de cooperação, de torcida para que ela vá bem. Eu apoiei o Serra na
eleição dele, Lula ganhou e poucos foram tão parceiros com o governo Lula como
nós. Depois, na eleição com Dilma, voltamos a ficar com o Serra, mas nem por
isso deixaremos de cooperar com o governo da presidente” –
Gilberto Kassab,
prefeito de São Paulo –
Portal jornal O Globo,
27-02-2012.
Combinado
“Alguém pode imaginar que o
prefeito Gilberto Kadssab estava sendo absolutamente verdadeiro, agindo por
conta própria, sem combinar tudo antes com seu parceiro José Serra, ao
‘oferecer’ o apoio do seu partido a Lula, até indicando o vice para compor a
chapa do PT”? –
Ricardo Kotscho,
jornalista, em seu blog,
27-02-2012.
Rasteira
“Desta vez, ao que tudo
indica, o feitiço se voltou contra o feiticeiro, e o mágico Lula, capaz de dar
nó em pingo d'água na sua política de alianças, desta vez levou uma rasteira da
dupla Serra-Kassab” –
Ricardo Kotscho,
jornalista, em seu blog, 27-02-2012.
Serra fora do
PSDB?
"Em seus diálogos privados, Gilberto Kassab informa que,
se for eleito para a prefeitura de São Paulo, o tucano José Serra vai romper com
o PSDB e abandonar os quadros da legenda" -
Josias de Souza,
jornalista - no seu
blog, 29-02-2012.
Mantega
neles!
“Ofereceu a solução para acabar com a crise atual.
Consiste em dividir os países em dois grupos. Um deles, de nações endividadas
até as tampas, seria submetido a um rígido corte de gastos. O outro, dos
remediados, adotaria também medidas para acelerar o crescimento econômico. Os
alemães deveriam perguntar-se por que não pensaram nisso antes” –
Vinicius Mota,
jornalista –
Folha de S. Paulo,
27-02-2012.
Vingados
“Nós, que por décadas
tivemos de escutar humildemente as prescrições e as bobagens sugeridas pelos
europeus, estamos vingados. Mantega neles” –
Vinicius Mota,
jornalista –
Folha de S. Paulo,
27-02-2012.
Cachorro e pincel
“É o meu clube, é o
meu Estado. Não há hipótese nenhuma da empresa sair que nem cachorro e deixar
todo mundo de pincel na mão” –
Dilma Rousseff,
presidente da República, esbravejando com Sérgio Lins Andrade, presidente do
conselho de administração da Andrade Gutierrez e com Otávio Marques de Azevedo,
presidente-executivo da construtora –
Zero Hora,
01-03-2012.
Será?
“Experiente como é, Dilma não
iria, como presidenta da República, descer do seu pedestal e vir aqui embaixo
escolher a empreiteira (que faria as reformas do estádio do Inter). Nunca tinha
visto um presidente da República escolher a empreiteira, indicar a construtora.
Tenho certeza de que Dilma não fez isso e há aí um ruído de comunicação” –
Paulo Sant’Ana,
jornalista –
Zero Hora, 01-03-2012.
Bando de
mentirosos
“Uma coisa Marcelo Crivella não precisará aprender no
Ministério da Pesca: todo político sabe muito bem o que é "conversa de pescador"
–
Tutty Vasques,
humorista –
O Estado de S. Paulo, 03-03-2012.
Fogo de palha
“A base aliada do governo está
rebelada. O ideal seria que a presidente Dilma tivesse um Ministério da Pesca
para cada partido coligado, mas também não é nada que duas mariolas, uma paçoca
e três bolas de gude não resolvam” –
Tutty Vasques,
humorista –
O Estado de S. Paulo,
03-03-2012.
Brasil lúdico
“O Brasil é lúdico!
Olha esse cartaz num poste em Olinda: ‘Pai Inácio! Batizo filho de mãe solteira,
tiro demônio do couro e cancelo cartão. Trago de volta marido, cabaço e cachorro
perdido. Jogo cartas, passo bicho e descubro senha de Facebook’ –
José Simão,
humorista –
Folha de S.Paulo,
29-02-2012.